Um Mundo nos Labirintos da Mafalala



Mafalala

Desta vez levar-vos-ei a um dos bairros periféricos da  cidade de Maputo, Mafalala. Chamam este lugar do berço das estrelas. Pois é, de la saiu Eusébio, um grande jogador, saiu Craveirinha, um grande poeta, e mais pessoas que hoje em dia governam o nosso país ou são grandiosissimamente respeitadas pelo seu brilhante desempenho nas áreas onde desenvolveram as suas habilidades. Mafalala é um dos bairros com mais índice de HIV (sida), criminalidade, analfabetismo e as demais mazelas existentes em qualquer bairro suburbano. As ruas são estreitas, melhor dizendo, são becos, labirintos que somente nativos e grandes simpatizantes do bairro conhecem. As casas de chapa e zinco, muitas delas já velhas e ameaçando tombar a qualquer altura, abrigam almas, abrigam sonhos, a esperança, o amor, mas também o ódio, descontentamento, amargura de espírito, a decepção.

Os jovens perdem-se na criminalidade, fumam, injectam-se, comercializam a droga como se fosse um produto comercializado legalmente no país. É que na Mafalala, o povo é quem faz as leis... o povo é' que decreta sentenças. Se o povo for injustiçado e a dita justiça tarde chegar, o povo encarrega-se de a fazer. Neste lugar muita gente não sabe ler nem escrever, quem terá tempo de aprender tal coisa se o estômago reclama por conforto. Como pegar numa lapiseira e descobrir o mistério dos números e as maravilhas das palavras se a cabeça só pensa em um prato de comida, na mãe que lhe abandonou com a avó e nunca mais voltou, em um pai que não quis assumir sua existência ou que teria o gosto de assumir, isso se ainda existisse, mas porque simplesmente o seu sonho foi travado por uma bala na nuca.
Os miúdos revoltam-se, muito cedo sentem o ódio em seus corações, nem com o esforço das suas avós em pequenas bancas tentando comercializar pastilhas e doces, cigarros e fósforos, tudo para que não passem a fome e  mantenham os seus corações batendo por mais tempo nesse mundo de cristo. Oh Cristo, por onde andas? Muitos gostariam de nele crer, mas não podem, é tanta miséria junta.
Como um jovem pode ter tempo para acreditar em um paraíso repleto de delícias e descanso eterno nas mãos do conforto, se tem visto sua mãe dar o pouco que tem à igreja, e as quantidades dos pratos servidos em cada ceia diminuírem, como crer nas palavras bíblicas, se tem visto durante toda a sua vida os sacrifícios feitos na igreja não terem retorno? Como uma rapariga pode manter sua integridade, conservar sua virgindade até ao momento em que se sentirá pronta para iniciar uma vida sexual, se a prostituição é um dos meios mais rápidos para adquirir dinheiro para poder sustentar os seus estudos, ou para sustentar o bebé que ela não quis matar, isso por já estar cansada de tantos abortos e temer vir a perder a vida em mais um que fosse a tentar. A prostituição abre-lhe as portas, dá-lhe dinheiro, ela vende o corpo mas não o coração, tudo o que faz é para o futuro do menino, para que não tenha o mesmo destino que o pai, para que ele frequente uma escola e seja doutor ou um engenheiro, seja la o que for desde que não acabe com uma bala cravada na nuca ou passe maior parte dos seus dias vendo o sol nascer quadrado nas cela da B.O, "a cadeia de máxima segurança da Pérola do Índico". Os filhos da Mafalala são grandes dentro dela e em qualquer prisão existente na capital. Na Mafalala circulam carros de grande cilindrada, invejados em qualquer lugar do mundo. E quem são os seus donos? São os meninos que outrora estavam na escola, que jogavam o famoso xingufo (a bola de trapos) e eram autênticos craques. São os jovens que tinham o sonho de ir viver longe daquele lugar ganhar algum dinheiro e tentar tirar  a família das casas de chapa e zinco. Esses jovens são anjos entre os labirintos da Mafalala, mas são demónios entre as ruas asfaltadas da capital. Eles são criminosos, perigosos cadastrados, assassinos, são empregados de quem controla a comercialização da droga e carros roubados, assim como tráfico de pessoas e de órgãos. São procurados por agentes policiais da vizinha África do Sul. Ah Africa do Sul, a terra do Rand. Quantos não desejam para lá partir? Os adolescentes têm os seus olhos postos por detrás da rede de arame electrificada que separa a terra governada pelo Batuque e o Milho e a terra do Jacob Zuma. Muitos são mortos tentando atravessar clandestinamente, uns conseguem saltar a rede, mas não conseguem vencer os leões que propositadamente são soltos pelas matas para devorarem os ladrões de oportunidades... Sim, pois uns vão buscar um emprego, ganhar dinheiro para enviar à mãe que se encontra doente, ou para mobilar a casinha que está nas areias da Mafalala e começar uma vida com a rapariga que esta grávida, a quem fez milhões de promessas.
Os jovens saem da Mafalala com uma bênção dos seus familiares. Eles são a esperança para mudança de vida em cada tecto, mas nem todos triunfam, muitos caixões são desembarcados pela Mafalala com o corpo do fulano que foi morto a tiro quando tentava roubar uma viatura de frente a um famoso centro comercial, então ou foi morto nas celas do país vizinho pelos reclusos nativos.
Mafalala, será que os políticos sentem por ti? Eles usam-te, oh Mafalala, és produto de marketing...Se alguém quer dar nas vistas e ter boa imagem na sociedade, vai a Mafalala, oferece o que lhe parece conveniente. Eles dão alimentos e roupas, quem dera se fossem bolsas de estudo e emprego! O teu nome aparece estampado nos jornais ao lado dos nomes deles. Eles ficam mais bem vistos entre o povo, mas tu, oh Mafalala, continuas gritando a cada noite por ajuda, por atenção. Em tempo de eleições os grandes escalam teus becos, prometem isto e aquilo, melhores dias. Mas a tal esperança é' morta assim que o sol brilha, pois mais um infectado pelo HIV surgiu e não pode ter tratamento adequado, pois possui medicamentos, porém, não possui as tais vitaminas que tanto são recomendadas nos hospitais. Isso gera raiva, pois se não há empregos para os "normais", quanto mais para os infectados pelo HIV? Então o vírus é propagado propositadamente entre os filhos de Deus, e do Diabo!
Mafalala, tantos escreveram sobre ti, cantaram sobre ti, fizeram obras de arte com as tuas cores, tantos, tantos...mas ninguém se lembrou de orar por ti e pedir a Deus que um dia faça justiça em teu nome. Oh meu senhor salve a Mafalala, este pedaço de chão que tem tanta magia, quanto sofrimento!
Enquanto o mundo dá voltas e com ele o dinheiro sendo empregue em caprichos da elite, Mafalala chora e implora por ajuda e atenção. Onde estão os filhos que tu pariste oh Mafalala? Estão espalhados pelo mundo, oh eles têm orgulho de terem vivido em teu útero, pois Tu geras estrelas, mas que fazem eles por ti? Nada, assim ficas Tu, oh Mafalala, recolhida nas tuas dores, desejando a tua própria inexistência. Quem sabe, um dia eu venha amparar-te, Mafalala, e fazer algo digno do teu ser, pois mereces respeito e consideração de todos, mereces ser exaltada a cada minuto nas almas nativas da  Pérola do Índico e do Mundo!



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