Xiluva, A Menina Que Não Tinha Sonhos




Xiluva é uma menina de 14 anos lá da minha terra! Terra onde as secas roubam as colheitas e faz com que os meninos morram de fome, terra onde os crocodilos devoram enquanto se tenta encher o pote de água para matar a sede, onde o dia termina cedo e mesmo assim a noite é curta, pois o dia recomeça cedo.

Terra de Xiluva, onde ouvem-se gritos de socorro no oculto da noite... Oculto da noite que é o abrigo dos vultos, sim, os vultos são companheiros na calada da noite.

Mas a esta hora, Xiluva já se encontra recolhida na palhota que lhe viu ser cortado o cordão umbilical... A esta hora, Xiluva sente o calor da fogueira, aconchega-se em terra nua e adormece.

Amanhece, uma pergunta vem a cabeça de Xiluva, - "O que vamos comer hoje"? Eh uma pergunta habitual, mas assusta-lhe como se fosse o primeiro dia.

Xiluva tem três irmãos, todos eles pequenos que nem se quer sabem limpar ranho sozinhos. Ela olha para eles ainda dormindo, uma força inesperada vem ao espírito desta flor!

Eh muito cedo, esta muito frio, mas Xiluva já esta fora de casa, Xiluva caminha, eh longe, mas Xiluva tem de caminhar, em direcção à Vila, pois se chega tarde não encontra trabalho, e se não encontra trabalho, não haverá comida.

Hiiii, essa ideia assombra-lhe o espírito, subitamente, Xiluva já não anda, corre. Pelo caminho, cruza-se com meninos, muitos meninos. Estão bonitos, todos trazem roupas iguais, e cadernos nas mãos. Xiluva pensa, “para onde irão"? Vem-lhe um sorriso aos lábios, a resposta foi encontrada, e ela diz baixinho para si mesma:

-Vão à escola!

Escola, Xiluva sempre desejou ir a escola, usar a roupa igual a que os meninos usam, ter aqueles livros com desenhos bonitos, escutar com atenção o que o professor fala... Mas nunca pôde, pois em vez de aluna, teve de tornar-se encarregada de educação muito cedo...

Este doce pensamento ajudou-a a não sentir a distancia, com muito custo, ao desligar-se disso, Xiluva nota que já chegou à vila. Ela dirige-se à mercearia, lugar onde ganha o seu pão, seu e dos seus irmãozinhos!

Xiluva entra, ninguém chegou ainda - "Que bom..." – pensa, "Hoje vamos ter comida" repensa, "e amanhã também" - volta ao círculo de reflexão... Pega na vassoura, vare, lava a loiça, dá comida às galinhas, ajuda a carregar copra para o camião, entra, o chão da mercearia esta de novo sujo, pega na vassoura, vare novamente.Uff...

O Mucunha (Branco) olha para ela e faz cara de zangado, diz que o trabalho esta mal feito, chama-lhe nomes...filha disto, sua isto, vou te aquilo...Xiluva finge não ouvir, esses nomes são o preço da sua refeição, por fim, o Mucunha tira um quilo de farinha, um quilo de feijão, e quinze meticais, entrega a menina. Xiluva agradece e sai!

Esta feliz, aliviada, hoje há comida, e vai sobrar para amanhã. No seu caminho, de volta a casa, Xiluva passa pela escola, e de longe observa os meninos e o professor de baixo da árvore.

Ela não consegue ouvir bem o que o professor diz, aproxima-se mais.

Pronto, Xiluva já consegue ouvir o professor, ele está perguntando os meninos o que eles querem ser no futuro, o que sonham...

Um dos alunos diz:

- Eu quero ser Medico!

O professor pergunta:

- Porquê?

- Para curar as pessoas doentes.

- Muito bom, muito bom...

- E tu André, qual eh o teu sonho?

- Meu sonha eh que não haja mais guerras. O meu Pai sempre chora quando fala das guerras, porque a minha Avó foi morta durante a guerra!

A resposta foi contrariada...mas o seu sentido é bruto. O professor olha para o miúdo surpreendido e felicita por tal resposta, vira a cabeça para outro lado, esta lá uma menina com um embrulho nas mãos, mas ela presta atenção a tudo que se passa na "sala de aulas". Ele acena para ela, mais tarde grita:

- Menina, podes vir. Venha!

Coração de Xiluva bate forte, mas algo vem-lhe dar segurança. Ela dá o primeiro passo, dá o segundo...

- Alô Menina, como te chamas?

- Xiluva - responde entre sorrisos.

- Xiluva, estou a perguntar os teus irmãos, o que eles querem ser no futuro, quais são seus sonhos. Uns querem ser médicos, outros querem ser engenheiros, outros professores... Agora, me diga qual é o teu, o que queres ser, qual eh o teu sonho?

Há um silêncio profundo na sala de aulas, após o professor calar, nada mais se ouve. Xiluva olha para todos eles e por fim para o professor e responde:

- Professor! Eu sou muito nova, mas muito cedo a vida fez de mim adulta. Os meus pais morreram, vítimas de uma doença chamada SIDA. Tenho três irmãos pequenos, agora, eu sou o pai e mãe deles, tenho de trabalhar para não morrermos de fome, e do pouco tempo que me sobra, tento educa-los para que não sejam gente do mal.

Meu maior desejo é ver meus irmãozinhos crescidos para que possam vir a escola, estudar, assim como estes estão a fazer, o meu sonho é oferecer sonhos para os meus irmãos, pois, se estudarem, terão sonhos, assim como estes meninos têm.

Eu sou nova sim, mas sou adulta, por isso não tenho sonhos, não tenho tempo para sonhar, a vida roubou-me isso. Vivo o presente, não penso no passado, pois este me traz mágoas, não penso no futuro, pois este me faria esquecer das minhas obrigações.

Apenas vivo, ao sabor do acaso...

Uma lágrima, sai dos seus olhos, Xiluva pega no embrulho e sai a correr, o professor tenta disfarçar as lágrimas que lhe enchem os olhos, vira para o quadro, pega no giz e escreve:

"Esperança"

Lá foi Xiluva, saboreando o ardor das feridas que lhe foram abertas...

Quantas crianças mais não vivem o mesmo que Xiluva? Quantas mais não estão espalhadas por Moçambique e por África? Quantas não são impedidas de sonhar...são tantas como a areia do mar!



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