Eu, a gripe e ‘MARIA’
(em homenagem à obra
‘Maria’ de J. Craveirinha, ao próprio J.C. e a minha ‘Maria’)
Estou infectado. Tenho um
vírus no sistema que não me permite respirar, libertar-me. Gripe. Febre. Nada
me é atraente. Hoje nada me sai, definitivamente. E isso é tão irritante, lá
fora, até a neve cai. E se saíssem de mim, também, raciocínios poéticos, afluindo
do além, qual a chuva que cai na Mafalala? Enfermo, acabrunhado, moribundo; sou
vítima desta poluição global.
E é aqui onde tu entras, mulher, porque a dor transforma-me
num tambor, no “tambor perdido na escuridão da noite perdida”. Esse é o meu
coração arrebatado, que te chama em ‘tam-tans’ enrouquecidos, intercalados pela
tosse, pela fungadela. Então proclamo-te minha ‘Maria’, como a Maria de
Craveirinha, pois essa é a dimensão do meu amor.
“Olá, minha querida Maria” – apetece-me dizer-te
com os olhos fechados e os meus lábios em beijos com os teus, mas estou
gripado, e eu sei que não te importas, mas não te quero adoentar com a minha
doença. Sim, apenas sorririas, ‘Maria’, e dirias, depois de me teres arrancado
o beijo, “Mais um gole ó ‘Pedro’ mais um gole de chá”. Sei que o fazes para o
meu bem, por isso, como um “anjo doirado bamboleando blue”, beberia o bule
inteiro, chávena pós chávena, “Com um gole d’água e 10mg de diazepan”.
Os meus hábitos, sim, não são muito estimáveis:
quase que não durmo. E estarias tu, ‘Maria’, com a tua mão suave pousada sobre
o meu ombro, sussurrando como um sopro no meu ouvido surdo – “Karingana ua karingana”
– e eu, mais desajeitado do que poeta, com os “meus olhos negros como
insurrectas […] grandes luas de pasmo”,
sorrindo porque tu não sorris, diria “Devo-te, Maria/ no epílogo do pânico/ manter-me
calado/ sem me sentir um verme”.
Consegues perceber-me? Ouvir-me? Minha ‘Maria’?
Não te quero somente hoje, porque a minha alma está gripada, sempre te quis,
mesmo nas “Noites enjoadas de um milhão de angústias”, em que vigoroso, sou
obrigado pelos xiconhocas a vestir a camisola “46664”. Por vezes, sabes, quando
estou sozinho, e parte de mim começa a pensar em ti, a outra parte começa a
chorar, e logo eu que “Acreditava naquela história/ do homem que nunca chora”.
Na verdade, ‘Maria’, “Só um choro em seco/ põe no vértice da minha dor” toda a
ausência que os nossos corpos desamam.
‘Maria’, ‘Maria’! Não fiques chateada porque te
chamo ‘Maria’; pode até ser o nome mais vulgar do mundo, mas ‘Maria’ é a “mulher
que ocupa o primeiro lugar”. É também o nome da mãe de Jesus. Mas sublinho, eu
“Não sei se existe Deus./ Mas se Deus existe/ Ele está com toda a certeza/ a
comer comigo esta farinha/ no mesmo prato”. Tu és o carvão ‘Maria’, entretanto,
“Meu amor:/ Nem tu percebes ainda o bater” dos sinos que me tornam este poeta.
O que queres que eu diga? A arte é a poesia, o produto o poema, o poeta o
artista.
Suplico-te para que rezes, ‘Maria’ minha. “Reza,
Maria!” Reza para que esse pecador, que não é besta, é homem, não deixe cair “o
girassol da esperança”. “Ah! Maria/, Põe as mãos e reza”, pelos tropeções que
cometi, pelas dentadas que na língua dei, e deixei o teu coração a sangrar, a
sangrar, não Julieta, mas ‘Maria’ “sempre de humilde sorriso triste”. Reza
também pelas promessas que te fiz, por mais perverso e egoísta que seja este
meu pedido, mas reza, reza para que os cumpra, todos! Sei que divago, pois
sinto a febre a subir, o sono a negar-me; ‘Maria’, lamento “esta maneira de
evocar Maria”, mas não posso evitar, é que da página branquíssima presa no
computador, “Sobressaem nubladas/ Cinco letras:/ Maria”.
A medicação não faz efeito; e uma notícia caiu-me
à cabeça como uma bomba. Como pude ser tão libertino, e enterrar o ‘tu’
presente sempre ao meu lado para provar do bago de sumaúma intoxicado? Nunca se
é tarde para uma boa lição, ‘Maria’. Mas quero que acredites em mim, não o faço
porque quero, simplesmente não posso controlar esses ‘eus’ dentro de mim, essas
vozes que não se saciam, e te confessam, meu amor, que “inúteis foram as mil
perguntas/ sobre segredos absolutamente só meus”. Já te perguntaste quem eu
sou, e tiveste infindas respostas, mas quem sou eu, afinal? Eu, ‘Maria’, apenas
sou mesmo eu quando sou em ti.
“Maria, o que é que se passa?/ O que é que se
passa Maria?” Agora a cabeça lateja-me como uma britadeira. O muco não vem nem
sai. Não estás aqui! Não estás aqui! A minha ‘Maria’ não está aqui. Sombras!
Sim, vejo sombras. “Nostalgias de Maria”! Agora penso no futuro, no meu futuro
contigo, “Minha tão bela esposa Maria”, a mulher que vai ler todos os meus
originais em primeira mão. Não te quero assim como Pilar, apenas como Maria,
para também dedicar-te livros e livros sem conta. Tenho que me levantar, fazer
um café forte, sabes, aqui “não tenho quem me ature/ as manias/ [...] mas eu cá me
arranjo, Maria!”
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