Maninho, O Vendedor de Água



Maninho, O Vendedor de Água

Assim que o dia nasce nos sonhos de Maninho, levanta-se este para alimentar o motor das suas aspirações. Ser alguém, ser grande, fazer a mudança, ser a mudança! É nisso que se resumem os passos audaciosos dessa flor. Passos que abundam entre a imundície do Xipamanine. O sol abrasador que escurece ainda mais a pele do povo, faz surgir algo brilhante na mente de Maninho. Vender água para saciar a sede persistente das massas, e ganhar dinheiro para erguer-se na vida! Sendo filho de Marungana e de vendedeira de vegetais, nunca lhe faltou comida por cima da mesa. Muita ou pouca, há sempre algo para saciar as exigências estomacais dessa família de Cristo! Com o congelador que fora oferecido pelo padrinho dos pais, Maninho decidiu colectar garrafas plásticas entre as ruas, limpá-las devidamente e introduzir água nelas, que depois de congeladas seriam vendidas, e com o dinheiro compraria o material escolar para si, ter sempre um trocado para os seus pequenos caprichos e seguir a vida!

Haja bravura para enfrentar os cobradores desonestos, gai-gais (ajudantes de carga) e todo tipo de gente que, depois de ter a sede aniquilada não efectua o pagamento. Mas Maninho não desiste, berra, chora, sacode seu minúsculo corpo em busca de justiça… pois cada centavo vale ouro, cada perda é menos um obstáculo ultrapassado na sua caminhada rumo ao sucesso. Com razão, esta flor divide-se entre os afazeres académicos e os domésticos, e claro, no seu auto emprego. Nem tem tempo de ser criança, não, está mais interessado em lutar por um futuro decente, dar a sua Mãe uma velhice digna, e fortalecer o orgulho que o seu Pai, Sitoe Marungana tem por si.

O seu olhar de águia é presente em todos os caminhos para onde a intuição o leva, a sua voz “inocente” de leãozinho bravo, é trombeta angelical entre a imundície dos pastos de Lúcifer . “A MATE HALENO, A MATE WA KU TITIMETA HALENO…” (água, água gelada aqui…)

A tarde toda resume-se nisso, humedecer a garganta do povo! Pois pela manhã ele é estudante aplicado, o chefe da turma, que tem os sapatos tão remendados, mas que é uma promessa para o País!

Em mais um dia como tantos, lá segue Maninho, com a seriedade de um adulto, esperançoso em vender todo o “stock” do dia. É que é um dia importante, é o aniversário da sua querida Mãe! A sua latinha será esvaziada com um propósito, comprar uma capulana mais barata na loja do “Mubaniane” (Maometano).

Será um sacrifício justo, o sorriso da mulher que o embala a cada noite, vale mais que todos os seus sonhos. Então o miúdo não hesita, hoje, aplica-se mais que o habitualmente. Vai ter com os cobradores que ele confia, os gai-gais, até com os batedores de fios de ouro e telemóveis, a quem ele não denuncia… pois estes são a sua “polícia”, estes manos velam por si naquela selva!

Maninho enfia-se entre o apinhado de gente, grita, corre até aos chapas e vende uma garrafinha, agradece pelo trocado a mais, sai novamente a correr, ele tem de vender, tem de conseguir vender tudo antes que o “Mubaniana” feche. Mas está esgotado, não tem forças, pois não comeu nada desde que amanheceu. Então ele senta-se sem esperança, põe a cabeça entre as pernas, e fica riscando o chão empoeirado com o dedo. Ao levantar, dá de cara com um indivíduo bem vestido com um objecto estranho nas mãos, repara para o lado, vê que são dois. O outro focaliza-o com algo também estranho, que ele pode reconhecer logo, “é uma câmara ! Por instantes sente medo, mas há gente com os olhares em si, então isso dá-lhe confiança. O repórter pergunta-lhe:

- Boa tarde menino, como te chamas?

- Maninho!

- Que fazes com esta bacia com garrafas de água?

- Vendo!

- Não estudas? Não deverias estar na escola?

- Estudo sim, já lá estive, agora estou a vender isto para ter um sorriso no final do dia, mas parece que não vou conseguir!

O repórter espanta-se, ao contrário de muitos adultos, o miúdo não se intimida pelas câmaras  pelo contrário, expressa-se sem medo!

- Porque achas que não vais conseguir?

- Faltam-me 10 meticais, e a loja do “Mubaniane” daqui a nada fecha!

- O que tens a dizer sobre a vida das crianças cá na rua?

- Está difícil, muito difícil. Tudo custa dinheiro, até um sorriso!

O repórter e o câmara-man sentem um arrepio passando por eles, em poucas palavras “sonolentas”de uma flor, há mais coerência que nos de vários gritos dos adultos.

- Qual é o conselho que dás às crianças como tu, que tiveram de abandonar os estudos?

- Elas escolheram entre ser crianças e sofrer, ou serem adultas e viver melhor. Então nada posso falar sobre isso, eu as entendo! Estás a ver-me? Eu sou as duas coisas ao mesmo tempo, por isso sofro em dobro!

- Como assim Maninho?

- Sou as duas coisas, porque sou criança na escola, quando escrevo ou leio, e sonho como qualquer criança normal. Mas também sou adulto, quando sei que tenho de me arriscar entre estas ruas desonestas para ganhar dinheiro!

Um gesto inesperado do câmara-man faz com que a entrevista termine. O entrevistador também não se contém, são frases simples, mas com sentido verídico bruto. A reportagem termina com os dizeres deste anjo. Os dois homens sentam-se ao lado da flor e esta conta-os tudo que lhe vai na alma. O entrevistador aponta euforicamente tudo que Maninho diz. Maninho, normalmente tão tímido, mas por vezes há que nos libertamos para mantermos a nossa sanidade mental em paz… então Maninho expressa-se sem temer, diz tudo que lhe vai na alma, até sobre o aniversário da sua querida Mãe. Quem diria, os dois homens comovem-se mais do que antes, ambos sabem o que significa tal sacrifício, tiram ambos notas de cinquenta meticais e oferecem ao pequeno, que agradece repetidas vezes. Despedem-se, depois de desejarem-lhe boa sorte. Pode ser que um dia voltem a reencontrar-se pelo mesmo motivo, reportagens… pois esta flor promete, faz-lhes acreditar que há esperança para o povo da Pérola. Seguem rumos diferentes, mas com as palavras de cada um tatuadas em seus egos! Maninho seguiu com a capulana tão desejada, e os repórteres, com um trabalho magnífico… mas algo os uniu para sempre, a esperança de dias melhores!

Enquanto esses dias não chegam, vários Maninhos estarão por lá,no Xipamanine, Compone, Xiquelene, Mercado do Zimpeto, enfim... em todos os pulmões do povo, vendendo água,… saciando a sede da população, trocando a sua infância por dias melhores na vida adulta!


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2 comentários:

  1. Que menino coragem! Menino de
    olhos de águia ,como a tua história me
    deu um soco no peito .
    Como posso ajudar -te? Se já não
    tivesse a idade que tenho ,fazia de ti
    meu afilhado . Sei que gostarias de ter uma madrinha manhambanense no
    outro lado do Equador .

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  2. hahahaha muito obrigado,mas eu apenas "criei" retratei o que se passa na Perola ,ha muitas criancas como o Maninho.Aqui e' o Chil Emerson David :)

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